Qual o valor do prato em sua mesa?
Há alguns dias venho desenhando um paralelo para discutir com vocês sobre o valor que damos ao prato na mesa, ao “tapuér” no colo, ou a marmita — quentinha para as amigas e amigos cariocas — nas mãos. E aí, qual o valor?
Incrivelmente, fui interrompida no processo de dialogar contigo sobre valor, preço e custo, por uma cena que comumente me dói, me corrói e me destrói, como um câncer que se espalha vagarosamente, mediante a minha incapacidade de reverter tudo que está errado no nosso país.
Em minha rotina matinal (todo mundo tem a sua), antes de sair da cama, abri os aplicativos de notícias de alguns dos jornais que assino, já relutante em rever as atrocidades do ódio político e os desdobramentos do caso de estupro que deu grande visibilidade à violência obstétrica — assuntos que abordarei em profundidade em outro momento — e num giro rápido, entre os fatos desagradáveis que compõem o amplo retrato de nossa sociedade, vejo, mais uma vez, mulheres e homens, jovens e adultos, revirando restos na caçamba de um caminhão de lixo, em busca de comida.
Gente, a fome é o maior símbolo de abandono e da falta de dignidade que alguém pode viver. A fome, quando bate, não cessa e não se resolve em discursos inflamados. A fome é destrutiva, acaba com o indivíduo moralmente, socialmente, aterroriza e enlouquece. Quem consegue ter forças ou condições para raciocinar sem o básico para se manter em pé?
A cena é um retrato cada vez mais comum num país em que a carne, a tal da proteína, virou artigo de luxo, mas também toda a cesta básica e a cesta verde ganharam seu destaque ao distanciar–se da realidade da maior parte da população. Alimentar–se diariamente virou um hábito ou rotina para poucos.
Hoje, compramos no mercado o sebo e os miúdos que antes eram descartados por valores nada simbólicos.
Voltamos, voltei, há trinta e poucos anos atrás, quando o grande diretor Jorge Furtado nos trouxe uma severa realidade retratada no documentário “Ilha das Flores”, muito presente nas salas de aula das escolas e universidade de todo o país, e que além de premiado internacionalmente, dava um soco na cara da sociedade.
Desde menina, quando tive contato com esse documentário, cresci e fui buscar meu protagonismo no combate à insegurança alimentar, acreditando que eu não iria mais ver mulheres e crianças sendo tratadas com menor valor que os porcos da Ilha das Flores.
Recentemente foi levantado que há em torno de 30 milhões de pessoas sem ter o que comer, sem ter prato, “tapuér” ou quentinha, sem falar daqueles que se
alimentam mal. Esse é o Brasil de hoje.
— Mas Drika, e o que acontece com essas pessoas?
Então, para muitos a fome se transforma em dor e morte, mas para outros existe gente comprometida, com amor no coração, organizada ou não, que ajuda, mobiliza e garante um pouco de dignidade à tantas vidas abandonadas.
Esse mês, a Central Única das Favelas (CUFA) iniciou a terceira fase do programa “Mães da Favela”, iniciado em 2020 para diminuir o sofrimento de milhões de pessoas, mães solo das favelas e periferias brasileiras, diante da crise da pandemia.

Nas outras duas fases, a CUFA pôde ajudar mais de 16 milhões de pessoas e mais uma vez está entrando em cena para diminuir o sofrimento de tanta gente. Pensando nisso, resolvi compartilhar com vocês a necessidade de olharmos para os que mais precisam e apoiar ações que ajudem pessoas a mudar suas realidades.
Se você come todos os dias, você é um privilegiado nos dias atuais.
Aí, eu volto a te perguntar: qual o valor do seu prato? Sabemos o preço das coisas que compramos no mercado, sabemos que ficaram mais caras com a inflação descontrolada, sabemos que nosso dinheiro tá valendo cada vez menos, sim, sabemos de tudo isso. Sabemos o quanto falta e o quanto sobra, o que dá pra comprar e o que não dá, mas o que muitos de nós não sabem é o preço do prato vazio.
Se seu prato, ainda que de maneira humilde, esteja preenchido, pense naqueles que sequer prato têm, e em como a sua atenção, nesses tempos sombrios, pode dar o valor necessário à vida no prato de alguém!
Deixo aqui meu convite para que você reflita sobre a dignidade que falta para tantos iguais a você e a mim, e se possível, para que conheça o trabalho das organizações comprometidas com a vida, como a CUFA, por meio do site www.maesdafavela.com.br, participando dessa luta que não deve ser de uma pessoa ou outra, mas sim, de todos nós, pelo prato cheio e pelo sorriso no rosto!
Leia também
Ver mais
A identidade materna no “Agosto Dourado”

25 de Julho, dia de luta e conquista para as mulheres pretas
